quinta-feira, 20 de maio de 2010

Míriam Leitão e Alvaro Gribel - À meia-bomba

O acordo que o Brasil e a Turquia acabaram de fechar com o Irã tem os mesmos termos do acordo fechado com as Nações Unidas, em outubro, e do qual o Irã recuou. Mesmo se o presidente Mahmoud Ahmadinejad cumprir todas as cláusulas, restará saber que respostas ele dará para as inúmeras dúvidas das Nações Unidas sobre o programa militar nuclear do país.

Existem dois problemas mais graves, entre muitos, nas relações entre o Irã e a comunidade internacional na área nuclear. O primeiro é o que o presidente Lula tratou nas negociações: um acordo para que ele entregue o urânio enriquecido entre 3% a 5% para armazenamento em outro país, em troca do direito de importar urânio enriquecido a 20% para seu programa nuclear para fins pacíficos. Outro é que o Irã tem um programa nuclear militar com cinco centrais, algumas delas foram instaladas às escondidas, e não permite a supervisão internacional adequada. O urânio que o país está entregando seria apenas a metade do que já tem em estoque. Por isso, o mundo recebeu com dúvidas e reservas a iniciativa diplomática de estreia do Brasil na tentativa de resolver uma parte do conflito mais intratável do planeta: o Oriente Médio.

O Irã tem ambições claras, explícitas, de se tornar uma potência atômica. É um objetivo nacional do país, porque ele se sente cercado de inimigos. Toda a sua relação com a fiscalização internacional tem sido de negativa e hostilidade. O mundo não desconfia de Ahmadinejad à toa. Está coberto de razão para imaginar que um país que já escondeu a verdade possa escondê-la de novo; e que um país que se nega a cumprir os pedidos da ONU esteja querendo apenas ganhar tempo.

Em conversa que tive ontem com três embaixadores com larga experiência internacional — o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, Rubens Barbosa, que foi embaixador em Londres e Washington, e Sérgio Amaral, que chefiou a missão brasileira em Londres e Paris, — firmei a convicção de que esse assunto é bem mais complexo do que tem sido apresentado em certas análises.

Não há quem não queira para o Brasil um papel de maior protagonismo no cenário internacional. A convicção entre veteranos da diplomacia brasileira é que é normal, e esperável, que o país tenha cada vez mais influência. Mas há dúvidas sobre se esse movimento trará os dividendos esperados pelo governo brasileiro.

De qualquer maneira, a iniciativa criou chances de que seja derrotada a proposta de sanções contra o governo iraniano no Conselho de Segurança da ONU, porque a maioria a favor das sanções está se estreitando. Se as sanções não forem aprovadas, isso será uma derrota americana, mas não necessariamente uma vantagem para o Brasil.

É muito difícil saber exatamente o que o Brasil tem a ganhar com tudo isso. Do aspecto puramente comercial, o Irã representa 0,59% do comércio brasileiro. Do ponto de vista político, o Brasil está avalizando um governo que está neste exato momento matando os seus opositores, condenando-os ao enforcamento. Nada mais primitivo do ponto de vista institucional do que um governo que sufoca, literalmente, seus dissidentes. Isso é coerente com o apoio brasileiro ao regime cubano. Não é coerente com a rejeição ao governo de Honduras, que é justificada pelo argumento de que a eleição presidencial daquele país foi precedida de um golpe de Estado. Se temos como princípio não apoiar governos que tenham relação com golpes, como diz o governo brasileiro sobre Honduras, então o Brasil não deveria fazer a defesa do regime repressor cubano. Mas a diplomacia brasileira fica mais desengonçada quando o Brasil exige, como fez, que a Espanha desconvide Honduras como condição para participar de um encontro ibero-americano.

Apoiar Ahmadinejad em si, que reassumiu o governo numa eleição fraudulenta e tem calado a oposição de forma truculenta, não é coerente com os valores que o Brasil defende. A grande dúvida de todo o processo é o que leva o presidente Lula a usar todo o seu capital político acumulado em todos esses anos em defesa de um regime, de um presidente e de um programa nuclear que estão cercados de dúvidas inteiramente procedentes por parte da comunidade internacional.

A diplomacia do presidente Lula gosta de cantar vitórias que não teve. Ela perdeu sucessivas apostas. Apostou em Doha contra a Alca ou acordos bilaterais. Ficou sem Alca, sem Doha e fez poucos acordos bilaterais. Apostou em ampliação do Mercosul, ele não se ampliou e tem andado para trás. Concentrou esforços na luta para ter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU e ainda não tem. O governo acha agora que, com essa jogada de altíssimo risco, poderá se credenciar como uma força diferenciada na busca da paz mundial. Pode ter bombardeado suas possibilidades de conseguir o objetivo almejado.

A característica da diplomacia brasileira é vender-se com um bom marketing aqui dentro. Por isso, vai aproveitar para faturar o acordo de Teerã. Para um governo que só pensa na eleição, é uma excelente chance para propaganda.