segunda-feira, 7 de setembro de 2009

RODRIGO CONSTANTINO - O ESTADO ANTI-SOCIAL

“Devemos nossa liberdade não à vontade do estado de permitir que as pessoas e instituições sejam livres, mas à vontade das pessoas e das instituições de resistir.” (Lew Rockwell)

Muitas pessoas confundem a realidade dos sistemas políticos com suas expectativas sobre como tais sistemas deveriam funcionar. Elas idealizam um ente abstrato – o estado – e passam a imaginar que esse instrumento será capaz de transformar em realidade todas as suas aspirações, num passe de mágica. Essas mesmas pessoas costumam chamar os críticos do estado de “utópicos”, ignorando que a grande utopia está na fé de que o poder estatal poderá ser restringido de forma satisfatória, preservando as liberdades básicas. Em 1935, no auge do avanço estatal sobre as liberdades individuais no mundo todo, Albert Jay Nock defendeu esta tese em Our Enemy, The State, livro que culpa a própria existência do estado pelos maiores males da humanidade.

Entre as principais influências sobre Nock estão nomes como Herbert Spencer, Ortega y Gasset, H. L. Mencken e Franz Oppenheimer. Deste último, Nock aproveitou a tese sobre a origem do estado, que sempre se deu na base da conquista, e não através de um “contrato social”. Para Oppenheimer, existem somente duas formas de se obter os bens e serviços demandados: a via política e a via econômica. A primeira representa o uso da força, da coerção, da conquista, enquanto a segunda representa o método das trocas voluntárias, do consentimento. No meu artigo A Origem do Estado, faço um resumo mais detalhado do pensamento do sociólogo alemão. Aqui, basta lembrar o que Nietzsche já havia sintetizado de forma brilhante: tudo que o estado tem, ele roubou!

Nock faz uma distinção importante entre o poder estatal e o poder social, afirmando que sempre o aumento de um se dá à custa do outro. Como exemplo básico, ele cita a própria solidariedade. Uma sociedade de indivíduos livres teria inúmeros atos de caridade praticados voluntariamente pelos cidadãos. Mas sob o poder crescente do estado, o instinto de muitos é negar ajuda aos mais pobres, pois eles assumem que o estado já confiscou sua parcela da renda para tal benefício. Em outras palavras, há uma transferência de responsabilidade, pois o mendigo deve buscar ajuda no estado, que já tributa os trabalhadores com tal objetivo. Creio que o mais triste caso para ilustrar isso seja o conhecido exemplo de chineses que ignoram até mesmo crianças jogadas nas calçadas, perto da morte. A concentração absurda de poder no estado foi o grande responsável por esta barbaridade.

Apesar da conquista estar na origem dos estados, Nock argumenta, seguindo a linha de David Hume, que as pessoas vão cada vez ficando mais condicionadas ao aumento do poder estatal, assim como à sua legitimidade. As primeiras gerações de dominados se rebelam, mas com o tempo as novas gerações vão assumindo como natural esta ordem, e enxergam no estado um poder indispensável para preservar a ordem. A analogia usada por Nock é com a igreja medieval, cujo poder era tido como totalmente natural pela maioria. Raros são os casos de indivíduos mais céticos que resolvem questionar a origem desse poder, assim como sua legitimidade e necessidade. Quando isso acontece, a conclusão é quase inequívoca: o estado nasce da força, vive da escravidão e é bastante prejudicial à própria liberdade. Em suma, em vez de o estado ser o agente social que muitos imaginam, ele é, na verdade, o oposto disso.

Até mesmo os defensores de um estado mínimo, limitado por uma constituição, eram vistos como ingênuos por Nock. Para ele, a tendência natural e inexorável sempre seria do crescimento do estado, e a crença de que palavras escritas, interpretadas por agentes do próprio estado, poderiam restringir seu crescimento, não passava de uma ilusão. Ele ia além: o normal seria a concentração de poder no Executivo. Quando observamos as democracias modernas, incluindo os próprios Estados Unidos, não podemos deixar de dar razão a Nock: o poder estatal avançou de uma forma que seria impensável um século atrás, com a presidência respondendo por boa parte deste avanço. Nós vivemos uma era de culto ao presidente.

As reformas e disputas políticas, para Nock, não passam de uma luta para ver qual grupo terá acesso ao poder estatal. Cada partido apresenta novas promessas, sempre tendendo ao aumento do poder estatal. A existência da democracia, do “governo do povo”, permite que o indivíduo seja persuadido de que a ação estatal é uma criação sua, que o estado o representa de fato, e que a glorificação do estado é sua própria glorificação. A mentalidade coletivista, em suas diferentes formas – principalmente o nacionalismo, é um resultado disso. Se o estado de um país é criticado, então o próprio povo se sente atacado. Algo como o monarca no passado, idolatrado pelos plebeus – que eram distraídos com o “pão e circo”, e confundido com o próprio povo em si. O melhor exemplo está em Luiz XIV, que teria dito “O Estado sou Eu”. O povo, imerso na ignorância, acaba endeusando seu próprio algoz.

O fato de Nock condenar veementemente a existência do estado não é sinônimo de abominar qualquer governo. Nock deixa clara a distinção entre ambos. Ele defende os direitos naturais dos indivíduos, e acredita que alguma forma de governo pode existir para administrar tais direitos de forma negativa, ou seja, impedindo a invasão das liberdades individuais. No entanto, ele não vê necessidade alguma desse governo ser um estado com o monopólio da força. Ao contrário, o próprio poder social pode se encarregar disso, através de uma “ordem natural”. O poder estatal tem um histórico incrível de ineficiência e desonestidade em todas as áreas que atua. Nock, repetindo Spencer, considera um paradoxo a insistência da fé no poder estatal, após tantas demonstrações de fracasso. O estado passou a representar um deus moderno mesmo, sem o qual as pessoas não conseguem mais imaginar a vida.

Diante dessa constatação, Nock chega ao pessimismo de achar que nada pode ser feito para evitar o destino do crescimento estatal até uma desgraça maior. Como os impérios antigos que ruíram, Nock acredita que no futuro a civilização atual irá pagar um elevado preço por suas escolhas coletivistas. Ele enxergava uma seqüência de passos rumo ao despotismo, como uma maior centralização do poder estatal, uma burocracia crescente, a fé no poder estatal crescendo, a fé no poder social diminuindo, o estado absorvendo uma proporção cada vez maior da riqueza produzida, o estado dominando indústria atrás de indústria, administrando tudo com crescente corrupção e ineficiência, e finalmente chegando a um sistema de trabalho forçado. Dessa lista, apenas o último item não virou realidade total ainda, mesmo nos Estados Unidos. O restante não apenas aconteceu, mas é visto como algo totalmente natural.

Se Nock nutria uma visão tão negra em relação aos rumos da civilização, por que escreveu o livro então? Em primeiro lugar, ele não esperava que seu livro pudesse alterar as opiniões políticas das pessoas, pois ele reconhecia que a fé no poder estatal estava enraizada demais. Mesmo assim, ele sentia que era uma espécie de dever moral o simples fato de registrar o que estava vendo, sem a pretensão de algum fim prático ou imediato. Por fim, ele achava que os poucos espíritos independentes, aqueles com a curiosidade intelectual sobre as coisas da natureza, mereciam seu esforço. Seriam para esses que o livro foi escrito, com o intuito de manter acesa a chama da liberdade. E Nock sabia também que não adiantava procurar esses indivíduos diferenciados; eles é que chegariam até seu livro, através de seu espírito inquisitivo. Espero que muitos leitores possam chegar até Nock, através das perguntas certas, e com o verdadeiro objetivo de conhecer as respostas. Eu recomendo, para começar, as seguintes perguntas: como o estado surgiu, e por quê?