quarta-feira, 5 de agosto de 2009

RODRIGO CONSTANTINO - CIÊNCIA VERSUS RELIGIÃO: A LUTA DE GALILEU

“A ciência está aberta à crítica, que é o oposto da religião. A ciência implora para que você prove que ela está errada - que é todo o conceito - enquanto a religião o condena se você tentar provar que ela está errada. Ela te diz aceite com fé e cale a boca.” (Jason Stock)

Há quatro séculos, Galileu Galilei iria revolucionar o mundo apontando seu telescópio para o céu. Suas observações empíricas iriam bater de frente com os dogmas religiosos da época, calcados nas Escrituras Sagradas e no aristotelismo. Suas descobertas eram um duro golpe para a vaidade dos homens, que gostavam de considerar a Terra o centro do universo. Ao lado de Darwin, que séculos depois daria outro duro golpe na vaidade humana, Galileu representa o símbolo da luta pela liberdade de pensamento e pela busca do conhecimento, contra o dogmatismo religioso que exige obediência e veta questionamentos e críticas.

O contexto da época em que Galileu nasceu está bem resumido no livro Galileu Anticristo: Uma Biografia, de Michael White: “Até o século XVI, a Igreja católica era todo-poderosa, e qualquer dissidência era rápida e brutalmente esmagada. Hereges eram perseguidos, seu trabalho era banido e suas opiniões, silenciadas. O exemplo mais famoso disso é o terrível destino do filósofo e religioso radical Giordano Bruno, que em fevereiro de 1600 foi empalado e queimado em Roma, depois de ter agüentado sete anos de aprisionamento e tortura nas masmorras da Inquisição. Os crimes de Bruno haviam sido refutar as noções da Santíssima Trindade e da Imaculada Conceição, defendendo a ciência aristotélica e propondo a idéia de que a vida inteligente pode existir em planetas distantes da Terra”. Bruno foi o primeiro grande mártir da ciência.

A Igreja vivia submersa em corrupção, com venda de “indulgências” e outras práticas nefastas em busca de mais recursos. A perda de fiéis após a Reforma Protestante fez com que ocorresse uma reação da Igreja romana, e o Concílio de Trento foi criado em 1545 para este fim. A Inquisição era o mecanismo armado para calar os “hereges”, e bastava o testemunho de dois informantes para que o acusado fosse aprisionado para seu “interrogatório”, sem direito a advogados. Como a Igreja não tinha muita pressa, muitos pereceram nas prisões, aguardando seu julgamento. O Índex de Livros Proibidos aumentava a cada ano, limitando o conhecimento disponível e ameaçando todos os pensadores sedentos por mais informação. Era neste ambiente hostil à ciência que Galileu vivia.

O método científico moderno, que permite a postulação de novas idéias que serão posteriormente testadas, não era bem aceito nessa época. Afinal de contas, este método permite que novas idéias sejam introduzidas e possam destruir velhas teorias, o que era uma grande ameaça aos dogmas cristãos. Logo no começo de seu tratado de 1590, intitulado De Motu, Galileu demonstra seguir padrões exigentes: “Neste tratado, o método que devemos seguir será sempre fazer o que se diz depender do que foi dito antes e nunca, se possível, assumir como verdadeiro aquilo que requer prova. Foi assim que meus professores de matemática me ensinaram”. Esta abordagem era moderna na época. Se os fatos observados entram em contradição com a crença vigente, pior para a crença. Os dogmáticos costumam fazer o contrário: ignoram os fatos contraditórios para salvar a fé.

Galileu observou pela primeira vez as luas de Júpiter em 7 de janeiro de 1610. Ele não sabia que eram luas ainda, e escreveu em suas anotações que se tratavam de “estrelas”. Em meados de março, o primeiro livro mais importante de Galileu foi publicado, O Mensageiro das Estrelas. Suas descobertas começavam a incomodar bastante a Igreja, e Galileu havia saído da mais liberal Veneza para viver na Toscana, que mantinha relações com Roma e era governada por uma família extremamente religiosa. A amizade de Galileu com Frederico Cesi seria outro fator que contribuiria para a revolta da Igreja. Cesi era muito rico e tornou-se príncipe em 1613, não sendo um alvo fácil para o Vaticano. Ele era o fundador de uma sociedade secreta chamada Academia dos Linces, que abrigava pensadores críticos ao establishment local. A academia financiou a publicação de duas obras de Galileu, Carta sobre as manchas do Sol (1613) e O Experimentador (1623). Tais livros contribuíram para o choque entre Galileu e a Igreja. Foram consideradas obras de um anticristão.

A fama de Galileu representava um problema para o Vaticano, já que não seria tarefa simples calar o famoso cientista. No entanto, a Igreja foi bem-sucedida no objetivo de afastar Galileu de suas pesquisas, sem precisar partir para métodos mais escancarados como no caso de Bruno. Julgado pela Inquisição, Galileu acabou condenado à prisão domiciliar pelo resto de sua vida, tendo que negar suas teorias “heréticas”. Não há consenso sobre as acusações que finalmente levaram Galileu à condenação. A versão mais tradicional diz que Galileu teria sido julgado simplesmente por ter desafiado abertamente a Igreja e apoiado a teoria copernicana. O que importa é que o dogma tinha vencido a batalha contra a ciência, mas não a guerra. Reza a lenda que, enquanto estava sendo conduzido para seu destino de condenado, Galileu teria dito: “E mesmo assim, se move”. Como diz White, “embora provavelmente isso não passe de um mito, tal comentário decerto teria sido apropriado”.

Seus últimos meses de vida foram miseráveis. Além de totalmente cego, Galileu sofria de uma série de doenças, incluindo artrite, uma hérnia e a doença de rim que acabaria por matá-lo. Mas seu legado viveria. Enquanto os principais perseguidores dele caíram no esquecimento, o nome Galileu ainda hoje representa o poder das idéias. Galileu seria visto como ícone do espírito da Renascença. O Iluminismo que ele ajudou a criar colocaria gradualmente limites no dogmatismo religioso, abrindo cada vez mais espaço para a ciência. Basta comparar o progresso do conhecimento ocidental desde então, com a lamentável situação que ainda se encontram os principais países islâmicos, que não tiveram sua “Era das Luzes” ainda.

Quando a religião sai da esfera individual e parte para uma mistura simbiótica com o estado, formando uma teocracia, a ciência costuma ser a primeira vítima. Onde os dogmas prevalecem, impostos pela força do estado, o pensamento crítico não tem vez. Que esta importante lição extraída da vida de Galileu Galilei nunca seja esquecida.