segunda-feira, 1 de junho de 2009

SALÁRIO PARA POLÍTICOS DERROTADOS

Salário para políticos derrotados
Jeitinho de manter o salário
Autor(es): Izabelle Torres
Correio Braziliense - 01/06/2009

Políticos derrotados conseguem se manter na Câmara em cargos de confiança. Mas alguns nem aparecem na Casa

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Daniel Ferreira/CB/D.A Press - 1/6/06

Torgan: ex-deputado, mas com rotina de parlamentar dentro da Câmara, onde tem até um assessor


Perder a disputa pela reeleição na Câmara não significa ficar longe da folha de pagamento do Congresso. Ex-deputados que amargaram a derrota nas urnas nas últimas votações são colocados em cargos de confiança das lideranças partidárias com os maiores salários disponíveis. Como se não bastasse, alguns conseguem até a liberação do trabalho. É o caso de Almir Sá, que foi deputado por Roraima de 1999 a 2002 e, em 2003, assumiu como suplente. Filiado ao PR, Sá recebeu o apoio da legenda que até o ano passado tinha seu conterrâneo Luciano Castro como líder.

O ex-parlamentar é bem conhecido pelos funcionários da liderança, mas nenhum o viu trabalhando. O atual líder da legenda, Sandro Mabel (GO), justifica a ausência do servidor com o antigo argumento de realização de “trabalhos externos”. “Não dá para colocar uma pessoa do nível do ex-deputado sentado no gabinete. Ele fica fora, fazendo articulações para nós junto a ministérios e outras coisas”, disse.

Visto pelos corredores da Câmara apenas duas vezes por semana, o ex-deputado Moroni Torgan (CE) integra a lista de funcionários do DEM. Com o salário de R$ 9,5 mil, o ex-parlamentar ganhou o direito a uma vida parecida com a dos tempos em que tinha um mandato. Um assessor foi designado para “acompanhá-lo”. É ele quem recebe os recados e repassa a Torgan as demandas e o resumo dos acontecimentos no Congresso enquanto o ex-deputado está no estado. A propósito, a frequência do ex-parlamentar na Casa é semelhante a dos atuais mandatários. Segundo relatos dos servidores da liderança do partido, o ex-deputado cumpre a agenda de congressista: chega a Brasília geralmente às quartas-feiras, circula pelas comissões e ministérios e retorna ao Ceará na quinta-feira à noite. No gabinete da liderança, passa apenas para assinar o ponto. O que, de acordo com os relatos, pode acontecer uma única vez por semana.

A reportagem não encontrou Torgan na Câmara durante os últimos dias. Mas cumpriu o ritual dos que tentam um contato com o ex-deputado. Falou com seu assessor, Paulo Dutra, que prometeu repassar o recado quando ele chegasse à capital federal na próxima quarta-feira. De acordo com Dutra, Torgan tem muitas funções na liderança. Faz articulações nos ministérios e prepara propostas referentes à segurança pública para serem apresentadas pela legenda. Graças ao emprego no Legislativo e às negociações para tentar a disputa por uma vaga de deputado em 2010, o cearense licenciou-se da Polícia Federal.

Ponto
No gabinete da Presidência da Câmara está o ex-deputado pelo PV Sidney de Miguel. Ele é desconhecido da maioria dos funcionários da Presidência, mas assina o ponto diariamente. Para confirmar se ele trabalhava mesmo onde está lotado, dois servidores levaram exatos 10 minutos procurando em listas e telefonando para colegas à procura do ex-deputado. Até que, enfim, encontraram. “Aqui, consta que ele é assessor. Deve ser assessor mesmo”, dizia um. “Dá o celular dele para a repórter, melhor do que ela ficar aqui esperando e procurando por ele”, argumentava a outra. Decidiram fornecer o telefone, já que um terceiro servidor apareceu dizendo que “o doutor Sidney não estava na mesa dele”. A reportagem não encontrou o ex-deputado no número fornecido e Miguel não retornou aos recados deixados na Presidência.

A assessoria da Presidência informou que o funcionário trabalha e que permanece no cargo a pedido do PCdoB, partido para o qual presta assessoria na área de meio ambiente. A assessoria disse ainda que o presidente Michel Temer (PMDB-SP) atendeu um pedido do partido mantendo Miguel, mas na ocasião informou que seria por um período determinado para a conclusão dos trabalhos já iniciados. O prazo dado por Temer termina em julho. Sidney Miguel foi nomeado no cargo pelo ex-presidente Aldo Rebelo (PCdoB-SP), em 2006. Apesar da proximidade com os comunistas, foi pelo PV que ele conseguiu seu único mandato, de 1990 a 1994.
Colaborou Marcelo Rocha

Cabide para ex-prefeito

Com uma carreira política mais ativa do que a do colega Sidney de Miguel que assessora a Presidência, o ex-deputado Carlos Mota (PSB-MG) também consta na lista de servidores da Câmara. Ele é lotado na primeira-suplência da Casa, vaga hoje ocupada por Marcelo Ortiz (PV-SP). Com mandato até 2006, Mota tem um tratamento diferenciado como servidor. Apesar de sempre assinar o ponto, geralmente está fazendo “serviços externos nos ministérios”. A reportagem o procurou em três ocasiões e em dias alternados e não o encontrou no pequeno gabinete da primeira suplência. O ex-deputado não retornou aos recados deixados pelo Correio.

Não são apenas ex-deputados que conseguem ganhar a vida como funcionários da Câmara. Há espaço também para ex-prefeitos, ex-vices-prefeitos e até para candidatos malsucedidos. No gabinete da primeira-vice, está José Castillho. O assessor foi prefeito de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, entre 1999 e 2000. Agora, ocupa um cargo de confiança no gabinete atualmente liderado pelo deputado Marco Maia (PT-RS).

Na quarta-suplência, trabalha o ex vice-prefeito de Água Santa, no Rio Grande do Sul, Rogério Coser. O servidor também foi gerente da União Nacional dos Legislativos e se aproximou do atual quarto-suplente, Manoel Júnior (PSB-PB), durante o tempo em que dirigiu o Conselho de Desenvolvimento Regional do Nordeste. “Presto assessorias das mais diversas. Sei como funcionam as coisas por conta dos cargos que exerci. Então, cuido dessa parte de ministérios e articulações com prefeituras. Fico em Brasília e trabalho normalmente”, garantiu Coser, por telefone.

Na liderança do PMDB, um candidato malsucedido nas urnas e desconhecido dos servidores do órgão compõe a folha de pagamento. James Medeiros foi indicado para o cargo e não é visto no posto com frequência. Ele foi candidato a deputado distrital em 2002 e, depois de derrotado, ficou prestando serviços ao partido. Apesar de estar lotado na liderança, ninguém o conhece por lá. (IT)


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Memória
Abrigo remunerado no Senado

Não é apenas na Câmara que políticos sem mandatos encontram um abrigo. No Senado, a história é semelhante. Reportagem do Correio publicada em 30 de janeiro mostrou que no gabinete de Renan Calheiros (AL), atual líder do PMDB, está empregada Rita de Cássia Lins Tenório. Até 2008, Rita era vice-prefeita de Murici (AL), cidade administrada por Renan Calheiros Filho. A ex-vice-prefeita não concorreu à renovação do mandato ao lado de Renanzinho para abrir espaço para Remi Calheiros, tio do prefeito e irmão do senador. Sem a prefeitura, garantiu ocupação no Senado.

No gabinete de Jefferson Praia (PDT-AM), o Correio localizou outro caso semelhante. Lá está lotado Milsom Paschoalino, que foi subsecretário de Praia na Secretaria de Desenvolvimento de Manaus e perdeu o emprego depois que Amazonino Mendes (PTB) venceu a disputa pelo comando da capital do Amazonas.

Também compõe a folha salarial do Senado o servidor Tasso Cavalcante Passos, candidato derrotado do PMN na disputa pela prefeitura de Palmas. O mau desempenho nas urnas lhe rendeu um emprego no gabinete do senador João Ribeiro (PR-TO).

O senador Cícero Lucena (PSDB-PB) também reservou um emprego para o aliado Cláudio Lucena de Albertim, ex-vice-prefeito do município paraibano de Cabedelo, que se lançou candidato a prefeito no ano passado, mas depois retirou a candidatura a pedido do senador.